28.4.07

O respirar dele pareceu congelar antes que o vento o pudesse tirar

Marco estava à espera dele há quanto tempo? Uns quinze minutos!? E não se iria embora antes que o gajo chegasse. O homem pálido aproximou-se por detrás e puxou-o para dentro do bêco, longe de olhares que os poderiam incomodar. Trocaram os bens e seguiram os seus caminhos separados. Marco estava aliviado... ligeiramente aliviado. Começou o seu caminho de três quarteirões até ao seu prédio. Passou por incontáveis bêbedos e inúteis rejeitados e, no fundo, sabia que ele era igualmente ou mais sujo que eles. Mas ele tinha algo melhor, muito melhor. Passou por uma prostituta. E depois outra. E depois por outras mais. Elas já não lhe tinham importância. Os prazeres da carne são tão insignificantes comparados com os prazeres do sangue.

Nunca teve emprego, nem tão pouco se importava. Podia roubar o suficiente para se manter, e tinha isso como vantagem. No início não passava de um passatempo, mas depressa se tornou em algo que o mantivesse vivo. Televisores, rádios de automóveis, carteiras, jóias, pensamentos, tudo o que servisse para manter o seu adicto. O pai batia-lhe, a mãe batia-lhe, todos lhe batiam e rasgavam tudo o que o tornaria num homem.

Chegou finalmente ao seu apartamento. A porta não tinha fechadura e nem era preciso. Os excrementos de rato e as baratas mortas mantinham longe todas as pessoas que se mostrariam curiosas. Marco já nem reparava no cheiro a fezes e nas paredes podres, nem tão pouco no vómito seco. Tudo o que precisava era de uma colher, a seringa, a vela e o pó. Empurrou o sofá vomitado para o lado e atou o seu cinto à volta do braço, expondo as suas veias tenras. A concentração era crucial agora. Ele teria que ignorar toda aquela estática ameaçadora dos seus ouvidos. Encheu a seringa enquanto o som aumentava.

A estática era suave, delibrada, mas repetitiva, persistente. O som não tinha sentido no momento, mas era impossível ignorar. Agitou a cabeça para sacudir o som. Enfiou a agulha no seu braço e forçou o conteúdo o mais rápido que pôde. Caiu para trás, sobre o chão e esperou que o transe viesse e trouxesse a única paz que conhecia. Mas tudo o que sentiu foi a estática. Bateu com as costas do seu crânio no chão para fazê-lo parar. Mas não parava. Apenas aumentava. E aumentava cada vez mais. Começou a ficar zonzo, mas isso já era esperado.

Chorou conforme ia perdendo os sentidos. Porque ele perdeu tudo e perdeu os céus. O barulho era demasiado alto agora. Drenava-lhe os pensamentos. Os seus olhos vidraram enquanto ele se deitava imóvel no chão desejando que a estática parasse. Perdeu totalmente os sentidos quando o som lhe abusava do corpo e sabia que não iria parar.

Os seus pulmões encheram-se de saliva e espuma e outros fluídos incontáveis que se engasgavam pela boca fora. O vómito resultante afogavam-lhe os olhos e o chão à sua volta. Ele já não conseguia respirar quando desistiu e se entregou àquela estática confortavelmente controladora.

No screams, no tears.
No dreams, no fears.
Nothing beyond existence.
And that music was his fate.
He was only sixteen.

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